A meritocracia é um modelo de gestão baseado no cumprimento de metas e objetivos, que não dá valor a variáveis sociais como origem, posição social ou econômica, ou poder político.
Logo, constitui-se como critério em constante disputa com o nepotismo, o fisiologismo e os privilégios corporativos.
No entanto, quando nos aprofundamos um pouco mais sobre o tema, percebemos que o termo que caiu nas graças da direita e descreve a possibilidade de subir na vida pelo esforço individual, na verdade, também tem, conotação oposta.
A palavra “meritocracia” foi escrita num livro de ficção, publicado em 1958, que descreve um mundo profundamente injusto:
E esse autor de esquerda, inglês, MICHAEL DUNLOP YOUNG, publicou esse romance com o título de The Rise of Meritocracy. Young foi membro importante do Partido Trabalhista inglês.
Mas sua obra retrata uma Inglaterra do futuro onde as pessoas são classificadas de acordo com sua inteligência.
Os mais inteligentes recebem a melhor educação e com isso tem acesso aos melhores empregos, sendo que os menos inteligentes ficam com o que sobra.
Esse sistema que Young batiza de Meritocracia contém distorções evidentes: os mais inteligentes são os que recebem educação de qualidade, o que faz com que os menos inteligentes, que não tiveram essa excelente educação, jamais terão condições de ascender.
O livro mostra como um sistema, aparentemente justo, pode se transformar em uma máquina de produzir e agravar injustiças sociais.
E então termina com uma convulsão social, no ano de 2033, com a Revolta da Meritocracia.
Por origem o conceito meritocracia é pejorativo, e ao longo das décadas foi mudando o significado e adaptado pela direita e pelo discurso dos liberais contemporâneos, como exemplo de coisa positiva.
E no mundo moderno, a questão do “merecer” ganhou através da ideologia contemporânea do liberalismo, um encaminhamento racional e universal.
Então hoje transformou-se no “poder dos que merecem”, no merecimento do mais capaz e esforçado. A combinação de qualificação e empenho seria a fórmula garantida de vitória na “corrida meritocrática”.
Nesse ponto, aparece uma questão interessante: num país como o Brasil, onde a educação (das séries iniciais até o final do ciclo médio) tem uma diferença brutal, entre a escola pública e a privada, como fica essa corrida?
Exemplos
O Sr. R.N.L.M., trabalha desde os cinco anos. Aos 45 anos é zelador de um edifício na Zona Leste de São Paulo.
Há 20 anos saiu de um sítio na Paraíba e foi para São Paulo ser pedreiro, trabalhando das 07 horas até às 17 horas e às vezes até noite adentro.
E se ele tivesse estudado, poderia ser mestre de obras ou engenheiro? Atualmente ganha $1.800,00.
Já o Sr. E.F., engenheiro de sua própria empresa. Filho de fazendeiros da Zona da Mata mineira, estudou em escola particular, e entrou no curso de Engenharia da Universidade Federal de Juiz de Fora.
E sua retirada mensal é de $50.000.00.
Esse abismo de realidades pode ser atribuído as oportunidades ou a sorte? Como ficam as oportunidades em países com desigualdades tão grandes no aspecto social?
A crítica feita ao sistema de meritocracia é porque essa relação de desigualdade e o mercado de trabalho, gera uma competição para a qual o participante começa a se preparar na infância.
Meritocracia existe?
Então, de acordo com Michael Young “… a meritocracia é uma fantasia inatingível, ela se canibaliza graças aos resultados extremamente desiguais que ela mesma gera…”.
Como questão final, em que ponto entra a psicologia e a saúde emocional nesse assunto? Que implicações emocionais o sistema de meritocracia desenvolve no indivíduo?
Logo, os problemas podem ocorrer na própria empresa com o índice elevado de estresse das pessoas, queda de empenho, motivação e produtividade, competição negativa e ambiente tóxico, com uma pressão interna muito forte.
E individualmente seus efeitos, além do estresse e as consequências em adoecimentos tanto psíquico quanto físico, temos uma queda na auto imagem e na confiança para aquele que não sai “merecedor”.
Mais importante, também vem os sentimentos de exclusão, ciúmes, frustração, medo, ansiedade, etc. É terrível!
Os efeitos sociais acabam sendo um aumento da desigualdade e a maior divisão social, onde o “merecedor” concentra o poder na elite educada.
As disputas meritocráticas são obstruídas por fatores históricos e culturais.
Logo, a discussão sobre desigualdade e capital humano, requer alto investimento em políticas públicas que tangem educação e saúde, com ações afirmativas para que se possam reduzir essas desigualdades sociais que prejudicam o sistema.
Então a meritocracia justa passa por educação de qualidade para todos, além de programas assistenciais bem elaborados.
E essa corrida à meritocracia, não pode ser considerada justa, quando não partimos de pontos semelhantes.
Sonia Pittigliani - telavita
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